ConTEXTOS de RIsco
07:43
Ser jovem é desejar
viver dentro da sociedade com tudo o que ela implica, aceitar o que de bom ela
oferece sem me perder na múltipla oferta. É ser forte e saber dizer não a tudo
o que me faz afastar-me de mim e do que se espera da minha vida. Nasci num contexto
diferente da maioria das crianças e jovens de Portugal. Enquanto tu tinhas um
quarto só para ti, todo bem iluminado e colorido, eu tinha um cubículo húmido e
sobrelotado por vezes partilhado com pessoas que mal conhecia. Nunca senti que
tinha um espaço meu, aprendi a sentir que não merecia, era demasiado invisível
para que olhassem para mim.
Via muitas crianças a
passear com os pais nos jardins e irem de férias para bem longe, viagens de
sonho e tantas histórias para contar. Eu porém só via gritos e empurrões! Cada
dia se jogava a vida, era cara ou coroa, e fui vivendo assim. Sirenes,
barulhos, gritaria, pessoas preocupadas e agitadas. Que confusão. Ninguém sabe
para onde ia e porquê!
Aprendi a crescer com esse
risco, em terra de lobos tive de uivar senão era engolido como um cordeiro
indefeso e com medo. A cor dos meus olhos tornou-se de acordo com o que a rua
me pedia. Deixei de sentir porque assim não tinha remorsos. E os remorsos são
tão duros e fizeram-me chorar tantas vezes. O choro de tristeza começou a
transformar-se em choro de raiva, comecei a sentir uma força por detrás das
coisas más que via e fazia.
Descobri companheiros
que tinham também feridas no coração, porém também eles aprenderam a esconder e
apenas a mostrar que nada os atinge e que não temem nada nem ninguém.
Comecei-me a sentir parte e identificado, eles eram mais velhos, cheios de
experiências duras que fizeram com que os sentisse como heróis. Eles falavam a
mesma linguagem que eu, eram um pouco agressivos e gozavam comigo, mas eu sabia
que era o processo inicial, quanto mais eu fosse firme e fiel, eles acabariam
por aceitar-me. Iam ser aquela família que achava que nunca tive, mais forte
que o sangue que me corria nas veias. Foram tempos difíceis, parece que tudo o
que fazia para ganhar o meu respeito era insuficiente para os “bros/tropas”.
Era como se eu estivesse sempre aquém das expetativas, mesmo quando fazia
coisas muito más, só um ou dois me davam palmadas nas costas e diziam que tinha
futuro. Porém, meses mais tarde o grupo começa a ser disperso, uns foram para
centros educativos, outros para colégios e alguns presos. Foi uma bola de neve,
pesadelo atrás de pesadelo.
Vim para longe, ninguém
me liga, começo a duvidar da amizade deles, mas não quero duvidar, arranjo boas
desculpas para desculpá-los. Não me abandonaram, ainda estão esperando-me,
espero! Afinal quem sou eu? Um líder ou um seguidor? Um futuro homem de família
ou só no mundo? Posso mudar?
Rio Crocodilo - "Faça chuva faça sol pela mudança vale o sacrifício" |
1 comentários
É duro ser jovem, atrevo-me a dizer é duro ser pessoa. Podemos viver isolados, não ver o outro, não sentir o outro.... Por si só ter consciência desta realidade é duro. Não podemos viver à margem, temos que estar em constante escolha, em constante prova.... é legitimo perguntar: Para quê? Porquê? Mas depois percebo..... posso fazer pelo outro, mas é a mim que satisfaço.... este ser interior inconformado que busca incansavelmente caminhos onde a dor seja menor, mas ela existe, de muitas formas.... a mudança é uma delas, por vezes causa dor, o coração aperta e muitas vezes sangra.... mas nem que seja a rastejar, eu sei que necessito desta mudança, é esta que me leva ao caminho............
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