António Miguel: O Ser Humano na Esclerose Múltipla
08:23"A medida do Amor é Amar sem medida" (S. Agostinho) |
Hoje não publico Teorias, partilho a realidade da relação que se vive.
Quem é o António Miguel para além de ser meu irmão?
Nem sempre os laços de sangue falam por si, no nosso caso falam. Não interessa o tom nem a melodia, o silêncio grita a altos brados.
O Miguel é o primogénito de três em que apenas 12 meses e 3 semanas o separam do meu nascimento. Ele veio ao mundo mais cedo com a missão importante de ser o mais velho e dar ainda mais sentido ao matrimónio dos pais, diziam eles: "fomos dois em lua de mel e voltamos três".
Foi uma infância feliz nas dificuldades próprias de quem vive humildemente.
Vivemos o sonho dos meus pais que era construir uma casa onde houvesse espaço para toda a gente. Teve se ser em pedra granítica como manda a tradição do lugar e a honra da profissão de pedreiro do meu pai. Recordo-me com nostalgia aqueles fins de dia a preparar o ferro para os construtores betonarem no dia seguinte e assim pouparmos na mão de obra.
Em 1996 nasce a nossa irmã, dez anos mais nova, outra geração, outras vivências, os mesmos princípios e valores.
O Miguel assumia o papel de responsável, organizado, exigente e justo. No fundo era o espelho do nosso pai.
Rapidamente entrou no mercado de trabalho onde foi assumindo responsabilidades que fazem dele uma referência profissional. Quem trabalhava com ele sabe a que me refiro.
O princípio da doença dá-se aos 23 anos quando de forma inesperada deixa de ver do olho direito. Dias mais tarde confidencia-me esta dificuldade, mas tão tranquilamente como se de algo sem importância se tratasse. Após a ida às urgências, dias mais tarde foi diagnosticado com Esclerose Múltipla.
Em momento algum o vimos revoltado, bem pelo contrário, quis conhecer melhor a doença e criou uma página sobre a Esclerose Múltipla para dar mais informações a quem padecia do mesmo.
Nos primeiros dez anos mal se notava as consequências, apenas algum cansaço, e alguns ajustes à medicação.
Viveu estoicamente a perda do nosso pai em 2015, apoiando-nos a todos, mostrando os seus dons paternais de segurança e conforto. Tudo se torna mais simples quando se tem um ombro forte como o do Miguel.
Nesse ano que estávamos a viver a pior fase da nossa vida, ele decide casar e iniciar uma nova família. Foi com uma felicidade inexplicável ser padrinho do meu padrinho de crisma, o meu irmão. Participar do casamento do Miguel foi voltar a alargar os horizontes da família, recuperar o sentido e direção. E como auge de alegria um ano mais tarde nasce o Simão. Um fruto desejado por todos e para todos. Lembro-me de cada dia, desses dias de dádiva. Tudo era saúde e amor.
Porém, em junho de 2018 começou uma fase negra que está a custar passar. Perda no sentido de orientação, esquecimento, desinibição, dificuldades na comunicação e autoconsciência. Um novo surto iniciava, pensávamos que com um internamento e mudança na medicação tudo voltaria ao normal ou com perdas pouco significativas.
O pior estava para vir, cada dia que íamos ao S. João visitá-lo, era uma perda, primeiro cambalear duma perna, depois paralisação da mesma, posteriormente das duas, perda total do andar, dependência total. Um vírus raro e grave apoderou-se do meu irmão, os médicos levavam o caso aos congressos, enviavam análises para centros de referência no estrangeiro. Em apenas 3 meses fomos preparados para o pior. Fizeram tentativas de medicações experimentais, nada travava o vírus.
Tenho presente a reunião de família com os médicos a dar-nos conta que o Miguel estava em risco de vida, novembro de 2018, choramos todos, família e médicos e só me lembro de dizer: "Quero agradecer a toda a equipa que está a fazer de tudo para salvar o Miguel, e só quero que saibam que aconteça o que acontecer, nós ficaremos bem".
Chegou o Natal e com ele a melhor prenda possível, aceitaram o Miguel no Hospital de Reabilitação em Valongo, e gradualmente ele começou a melhorar. Reaprendeu a comer sozinho, a ganhar força no pescoço, a mover partes do corpo. Melhorou a fala e a capacidade de diálogo. O vírus adormeceu (chamem-lhe o verbo que desejarem). Foi para o CRN em Valadares para fazer fisioterapia de reabilitação e terapias diversas para recuperar o máximo possível. Cada dia o Miguel foi vencendo barreiras, sempre a acreditar que era possível. Mesmo nas suas limitações nunca deixou de rezar verbalizando solenemente a Avé-Maria e o Pai-Nosso. Terminava sempre cantando as músicas populares em que a "Cabritinha" de Quim Barreiros era o início do reportório.
Atualmente encontra-se em casa a ser cuidado pela nossa maravilhosa mãe. É difícil encontrar palavras para descrever a mulher que nos deu a vida, muito mais da mulher que é a minha mãe. É um exemplo de coragem, amor sem limites, força inesgotável. É impossível ficar indiferente à sua presença e ao seu cuidado.
Cada dia é uma luta, cada semana é um dom, cada ano é um sonho tornado real. Neste ano 2020 agradeço o dom da vida, da presença de Deus tanto no oásis das boas notícias como no deserto do momentos que o coração se despedaça. E peço por saúde, paz e uma vontade gigante em abraçar o mundo.
Um abraço,
Diogo Soares.
6 comentários
Tive a felicidade de encontrar o Miguel no meu caminho profissional. Até hoje, não conheci alguém mais abnegado, disposto a ajudar, a fazer e ensinar. Foi sempre ao Miguel que recorri nas dúvidas,nas alegrias e nos momentos de maior dificuldade. O Miguel sempre arranjou solução no que eu já tinha desistido. Por causa disso hoje ainda penso: "o que o Miguel faria se estivesse aqui?!". Parabéns Diogo pelo texto. Não tenho irmãos mas se tivesse, queria que fosse como vocês os três.
ResponderEliminarÉ incrível ler estas vivências. Fizeram me pensar no sentido da vida das coisas mais banais. Rezarei por todos vós na esperança que teu irmão recupere e que o caminho que se aproxima seja mais leve para todos. Um abraço
ResponderEliminarLembro-me de conhecer o Miguel como se fosse hoje. Lá estava eu a ajudar o meu pai lá no estaleiro, o Sr. António e chega o Miguel para lhe contar uma piada ou para simplesmente desabafar sobre coisas do trabalho. Lembro-me sempre da boa disposição e de me cumprimentar sempre que eu lá estava e perguntar se estava tudo bem. Quando soube que o Miguel estava internado, fiquei triste porque afinal, ele tinha-se tornado próximo de todos nós. Espero que o Miguel continue a vencer esta luta e que vocês continuem unidos como são! Um beijinho muito grande para todos, que este novo ano seja de conquistas para todos! :*
ResponderEliminarPorque o amor é o mais importante da vida, este é um exemplo do que devemos ser uns para os outros, seres de luz...conquistas positivas para vocês.
ResponderEliminarPorque o amor é o mais importante da vida, este é um exemplo do que devemos ser uns para os outros, seres de luz...conquistas positivas para vocês.
ResponderEliminarObrigado pelas vossas palavras de carinho e apoio. São pessoas importantes na nossa vida familiar, as portas estão sempre abertas para receber-vos. Bom ano 2020.
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