Diogo Soares
Retirado do "rosto de menina - grafitti" |
Sou professora do ensino
secundário e iniciei a minha atividade profissional no ano letivo de 1991-1992,
como estagiária. No ano seguinte começou a minha carreira docente e até agora
tive o privilégio de dar aulas de Inglês e Alemão a um grande número de alunos
com perfis, caracterÃsticas que foram mudando ao longo dos anos. Na década de
90 havia muito pouca indisciplina e os discentes em geral demonstravam mais
interesse pela aprendizagem e tinham mais objetivos de vida que queriam alcançar.
Um destes objetivos passava por entrar para a universidade e tirar uma
licenciatura. Os contextos familiares mais estáveis e funcionais favoreciam
este nÃvel de desempenho, assim como o facto da escolaridade obrigatória ser
apenas até aos 15 anos.
Com a subida da escolaridade
obrigatória para os 18 anos, com sucessivas polÃticas educativas, na minha
opinião, pouco coerentes, pouco ajustadas à realidade das escolas, e mais
recentemente facilitadoras da transição dos alunos, os problemas de indisciplina,
de desinteresse pela a aprendizagem e de abandono escolar aumentaram
consideravelmente.
A atual geração de alunos com
quem trabalho, chamada de geração Z, nasceu na era das tecnologias digitais,
das redes sociais, que usam com mestria, mas abusivamente e por vezes de forma
pouco cautelosa. São alunos que vivem numa sociedade com uma economia débil,
onde as oportunidades de emprego em qualquer área escasseiam, e que têm
diferentes tipos de famÃlias, nem sempre funcionais e presentes. Tenho alunos
que apesar de imensas adversidades pessoais, têm sonhos que querem concretizar
e que por isso se empenham a fundo para terem um ótimo desempenho escolar.
Tenho outros, infelizmente em maior número, que utilizam a indisciplina na sala
de aula, na minha opinião, como forma de chamar a atenção sobre si mesmos e/ou
como grito de ajuda. São geralmente alunos que falam muito nas aulas ou se
escondem atrás do telemóvel, que têm muitas dificuldades em expressar os seus
sentimentos e desejos e pouco interesse pela escola enquanto instituição de
ensino formal.
De acordo com o documento Perfil
dos Alunos à SaÃda da Escolaridade Obrigatória, homologado pelo Despacho
n.º 6478/2017, 26 de julho, pretende-se que o jovem, à saÃda da escolaridade
obrigatória, seja um cidadão:
• munido de múltiplas literacias
que lhe permitam analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e
selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no
seu dia a dia;
• livre, autónomo, responsável e
consciente de si próprio e do mundo que o rodeia;
• capaz de lidar com a mudança e
com a incerteza num mundo em rápida transformação;
• que reconheça a importância e o
desafio oferecidos conjuntamente pelas Artes, pelas Humanidades e pela Ciência
e a Tecnologia para a sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental
de Portugal e do mundo;
• capaz de pensar crÃtica e
autonomamente, criativo, com competência de trabalho colaborativo e com
capacidade de comunicação;
• apto a continuar a aprendizagem
ao longo da vida, como fator decisivo do seu desenvolvimento pessoal e da sua
intervenção social;
• que conheça e respeite os princÃpios
fundamentais da sociedade democrática e os direitos, garantias e liberdades em
que esta assenta;
• que valorize o respeito pela dignidade
humana, pelo exercÃcio da cidadania plena, pela solidariedade para com os
outros, pela diversidade cultural e pelo debate democrático;
• que rejeite todas as formas de
discriminação e de exclusão social.
Considero que há um longo caminho
a percorrer e muitas mudanças a implementar ainda na escola para que seja possÃvel
a todos os alunos que concluem a escolaridade obrigatória ter este perfil, bastante
ambicioso.
Eu, em concreto, procuro
contribuir diariamente para a sua construção mostrando-me nas aulas como um ser
humano falÃvel, com fragilidades e problemas como os demais, e disposto a
aprender com os alunos e não apenas a transmitir conhecimentos. Sempre que vem
a propósito falo-lhes sobre a importância de aprenderem a gostar de si
próprios, de respeitarem os outros, usando, por exemplo, uma linguagem adequada
na interação com eles e comportando-se de forma responsável, e acerca da
importância de se indignarem e revoltarem contra todo o tipo de violência
exercida sobre pessoas vulneráveis, seja fÃsica ou verbal. Procuro ainda encorajá-los
a ter sonhos e ideais, por mais pequenos que possam parecer, e a lutar por
eles.
Como é possÃvel concluir, para além de ensinar acabo também por educar. Compete, porém, aos pais e não aos professores o papel de educar os seus filhos. Infelizmente há demasiados pais hoje em dia que se demitem desta tarefa e de outras igualmente importantes, com consequências muito negativas para esses jovens, nomeadamente em termos de autoestima e afeto. Há cada vez mais casos de alunos (e inclusive de professores) com necessidade de apoio psicológico nas nossas escolas, mas lamentavelmente não há psicólogos em número suficiente para tratar todos os casos assinalados. Julgo que se trata de um problema de saúde pública que é prioritário resolver e não esconder.
GM
Bem, nem sei por onde começar esta
"história". Chamo-me Pedro, tenho neste momento 17 anos, e posso
dizer que sempre tive uma vida feliz, os meus pais têm um bom carro, uma boa
casa, tenho uma famÃlia que me ama e faz de tudo para eu estar bem, sou (ou era)
uma pessoa bastante sociável, com um grupo de amigos bastante amplo, porém
houve um acontecimento que mudou a minha forma de olhar para a vida.
Antes disso, quero falar de outro tema. Há cerca de um ano, apaixonei-me
por uma rapariga pela qual o amor não foi correspondido. Algo que nunca me
tinha acontecido, geralmente era sempre ao contrário, pois sempre fui bastante
apreciado pelo sexo feminino. Com isto a acontecer, sofria bastante, chegava a
casa e passava tardes a olhar para o teto a chorar á espera de uma mensagem que
nunca chegava, e então comecei a praticar maus vÃcios, apesar de na altura
parecer a única solução e a única forma de me abstrair disso. Passado alguns
meses, já estava dependente do tabaco para me sentir bem, parecia que se não
fumasse aquele cigarro que tinha no maço nada estava bem, a nicotina estava a
apoderar-se completamente de mim. Cheguei a sair á noite com amigos ou dormir
fora e a fumar 1/2 maços por noite, e apesar de maior parte das vezes nem me
apetecer fumar, fazia-o na mesma para os meus amigos pensarem que eu era o
maior. Numa dessas saÃdas á noite, estava com o meu grupo de amigos numa
esplanada a fumar, até que um deles mostra uma pequena saca que continha
cannabis. Maior parte estavam e estão habituados a fumar, porém eu nunca
o tinha feito, nem tinha curiosidade, pelo menos até ter este desgosto amoroso.
Fomos para um sitio mais escondido e eles começaram a enrolar, e posteriormente
a fumar. Quando o começaram a fazer, despertou-me alguma vontade de saber qual
era a sensação, e como me sentia triste, pensava eu que era mais uma forma de
sair do meu mundo e ter novas experiências. Dei 2 ou 3 passas, mas não senti
nada, foi como se não tivesse fumado. Passaram-se meses sem fazê-lo, porém o
tabaco tornava-se um hábito cada vez mais regular e mesmo depois de ter
esquecido a rapariga e ultrapassado o desgosto, já não conseguia deixar de
fumar (pelo menos pensava eu).
Agora vou contar-vos a pior experiência da minha vida. Há cerca de um mês
atrás, para ser mais preciso, no dia 15 de agosto de 2020, decidi sair á noite
com o meu primo alemão que estava de férias cá. Fomos a um bar, apresentei-o
aos meus amigos mais próximos, tivemos a conviver durante 2 ou 3 horas, bebemos
uns shots e fomos fumar uma shisha. No fim, decidimos ir para umas bombas de
gasolina conversar, até que um deles diz que tem erva consigo. Eu, como pessoa
estúpida e inconsciente que era, fui o primeiro a dizer para fumarmos aquilo,
pelo simples motivo mais uma vez de querer que pensassem que sou o maior e o
mais fixe de todos. Não tinha nenhuma necessidade de o fazer, estava tudo
perfeito na minha vida. Fomos para dentro do carro, fechamos tudo e fizemos a
chamada "estufa". Cada um puxava 2 vezes e passávamos, éramos 4. No
preciso momento em que dei a última passa, nunca mais fui a mesma pessoa.
Tive um surto psicótico horrÃvel, algo que não desejo a ninguém, vi coisas
inimagináveis, sentia que ninguém me estava a ver, que eu não existia, que era
tudo um sonho e que quando fosse dormir não ia acordar mais. Estava sempre a
chorar e a pedir ás pessoas para não olharem para mim da forma que o estavam a
fazer, não me lembrava se falava ou se era apenas o meu cérebro a pensar no que
dizer, perguntava aos meus amigos se me estavam a ver, se eu existia, quem era
eu, entre muitas outras coisas que só um louco diria. Foi a pior sensação da
minha vida, senti a morte á minha frente, e só de falar sobre isto arrepio-me
completamente. Dirigi-me ao hospital mais próximo, porque sentia o meu coração
a bater muito rápido, como nunca tinha batido. Estava com mais de 200 pulsações
por minutos, á beira de um ataque cardÃaco. Tomei 2 comprimidos para me acalmar
e em cerca de 30 minutos as minhas pulsações estavam estabilizadas. Mas o surto
não parava, continuava a sentir as mesmas coisas, parecia que a minha alma
estava a sair de mim e o meu subconsciente era a única coisa que restava. Eu
andava e não sentia o chão, abraçava-me ao meu pai com a maior cara de
desespero possÃvel por não saber se aquilo era um sonho ou a realidade, é
inexplicável o que aquilo me fez sentir.
Desde esse dia, não consigo olhar para a vida com uma cara feliz.
Questiono-me muitas vezes qual é o meu propósito aqui, de onde vim ou para onde
vou, tenho crises existenciais muito recorrentes, ataques de ansiedade, ataques
de pânico, o que eu considero uma das piores partes, pois não consigo
distinguir o que é real ou não e sinto coisas semelhantes áquele dia.
Mas o pior de tudo, é o medo. Medo de não acordar amanhã, medo que o meu
coração pare de bater, medo de ter alguma doença á mÃnima dor que tenha, medo
de tossir, medo de correr porque o coração vai bater mais rápido, até medo de
dar gargalhadas! Acima disto tudo, está o medo de morrer cedo demais, de não
aproveitar a vida ao máximo, de não poder ver os meus filhos a crescer como os
meus pais presenciaram ou não poder levar os meus netos ao parque como os meus
avós o fizeram.
Foi preciso estar ás portas da morte para perceber o quão valiosa a vida é,
desde esse dia nunca mais toquei num cigarro ou em qualquer tipo de droga, nem
bebi álcool, e sinceramente, duvido muito que o vá fazer o resto da vida.
Nas últimos tempos tenho-me sentido muito melhor, há alturas em que a
ansiedade e os pensamentos ainda tomam conta de mim, mas tento sempre fazer
algo para me divorciar deles, como me ensinou o meu psicólogo.
Espero que isto seja apenas uma fase, e que volte a olhar para a vida com
felicidade e objetivos traçados, como tinha antes.
Já aceitei que um dia vou ter que morrer, afinal todos vamos, só me falta
perceber que não vai ser tão cedo.
Também já percebi que a culpa de me sentir assim é minha, o que me deixa
revoltado, pois o facto de querer ser o mais fixe fez com que eu passasse a ser
o mais triste, o que não sai de casa porque tem medo de ter um ataque, o que
faz sofrer as pessoas que mais me amam porque não sabem como me pôr bem, e
principalmente o que não sabe se algum dia voltará a ser feliz.